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A austeridade que amplia desigualdades e sufoca o desenvolvimento: o regime de metas fiscais

Institucionalizado no Brasil no ano de 1999 após a crise cambial e a desvalorização do real, o regime de metas fiscais é um dos componentes das reformas macroeconômicas implementadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Tendo como referencial teórico o Novo Consenso Macroeconômico (NCM), o regime de metas primárias estabelece um regime fiscal rígido que desestimula os investimentos públicos, em particular devido a sua característica procíclica.

Tendo isso em vista, Ricardo Carvalho Gonçalves (UNICAMP) tece uma crítica a esse regime no artigo “Regime de Metas Fiscais no Brasil Frente aos Ciclos Econômicos: uma crítica pós-keynesiana”, partindo de uma perspectiva da teoria pós-keynesiana que destaca a importância da atividade do Estado para manter os níveis de investimento, estimulando a demanda agregada, principalmente em situações de ciclo econômico recessivo.


Primeiramente, para compreender a dinâmica do regime de metas fiscais é necessário destacar a forma como o Novo Consenso Macroeconômico enxerga os gastos do governo. De acordo com o NCM, os gastos discricionários do governo, isto é, as despesas não previstas em ato legal, são ineficientes e as políticas macroeconômicas são guiadas por dois principais objetivos: (1) sustentar a dívida pública e (2) estabilizar a inflação em níveis baixos


Seguindo essa lógica, a política fiscal passa a ser colocada em segundo plano e a política monetária contracionista ganha destaque no comando das taxas de juros no curto prazo. O artigo analisa que os gastos discricionários, as receitas e as despesas primárias, componentes do orçamento público, tendem a variar no mesmo sentido que as variações do PIB, o problema reside no fato de que em momentos de baixa do ciclo econômico, queda do produto e tendência de redução das receitas, o governo reduz os investimentos para cumprir a meta de superávit primário, reforçando o ciclo recessivo. Assim, o regime de metas primárias mostra-se como uma barreira institucional à execução de políticas anticíclicas.


Ao priorizar a sustentabilidade da dívida pública e o controle inflacionário, o regime de metas fiscais impõe uma dinâmica que na maior parte do tempo resulta em taxas de juros elevadas de forma abusiva, essa dinâmica é reforçada pela atuação do Banco Central que pautado no Novo Consenso Macroeconômico atribui à política monetária o papel chave de ancorar expectativas e manter a inflação dentro da meta por meio da elevação da taxa básica de juros, a Taxa Selic.


O fato é que essa condução conservadora da política monetária traz consigo contradições, por exemplo: a alta dos juros objetiva uma maior entrada de capitais estrangeiros ao passo que encarece o crédito nacional, desestimulando investimentos privados e aumentando o custo de serviço da dívida pública o que pressiona ainda mais o orçamento federal. A pressão e a rigidez das metas fiscais sobre o orçamento público força cortes de gastos em setores que deveriam ser a prioridade do governo, como investimentos em infraestrutura e políticas sociais, ou seja, contraindo a demanda agregada.


Logo, a atuação do Banco Central baseada no regime de metas fiscais ao combinar juros altos e austeridade fiscal reforça o caráter pró-cíclico e limita o equilíbrio macroeconômico, perpetuando o baixo crescimento e as desigualdades sociais.


Para os defensores desse regime, o efeito “crowding out” é o principal argumento para legitimar uma política fiscal restritiva, esse efeito avalia que o aumento de gastos públicos gera uma retração dos investimentos privados. Entretanto, a crítica feita no artigo compreende o papel do Estado em direcionar investimentos para setores estratégicos aliados ao desenvolvimento econômico, e principalmente o papel sobre o estímulo da demanda agregada para exercer uma política anticíclica de forma flexível.


Isto é, em um cenário econômico instável, os agentes econômicos optam pela liquidez, visto que, com a queda dos salários e um aumento do nível de desemprego a demanda por bens de consumo vai diminuir e consequentemente as perspectivas de lucro serão menores. Nesse cenário, os investimentos produtivos podem até se tornar atrativos com uma redução dos juros, mas a debilidade da eficiência marginal do capital persiste, pois o resultado da política monetária não influencia as expectativas dos agentes em relação aos lucros. Com isso, o artigo ressalta que o sistema capitalista de livre mercado é inerentemente instável e o Estado deveria investir de forma complementar à iniciativa privada, formando um ambiente econômico favorável à recuperação do crescimento e diminuindo os prejuízos da recessão sobre a sociedade, isso permitirá o efeito “crowding in” que avalia o aumento dos investimentos privados decorrente do aumento do gasto público.


Analisando o caso brasileiro, a condução da política econômica desde a década de 1990 possui um viés ortodoxo e conservador, o que torna necessário afirmar que os elementos de uma política fiscal contemplam determinadas perspectivas ideológicas que orientam distintas visões quanto ao papel do Estado na economia. Nesse viés, as metas de superávit primário são um mecanismo da ortodoxia para mostrar aos agentes econômicos um compromisso com o equilíbrio fiscal no longo prazo.


A implementação do Plano Real visava sanar o problema da inflação elevada para depois iniciar o processo de adoção de uma nova moeda atrelada ao dólar, o alto déficit das contas públicas foi dado como diagnóstico para a taxa de inflação elevada e para tratar essa taxa elevada o governo adotou medidas de austeridade fiscal, elevou a receita tributária, tentou solucionar as dívidas dos entes subnacionais com a União e avançou no processo de privatizações, começa a seguir, portanto, a cartilha neoliberal.


O relevante é que a União procurava meios de aperfeiçoar o equilíbrio fiscal através do aumento da carga tributária, porém desprezando receitas de cunho distributivo. O artigo evidencia o prejuízo que a regressividade do sistema tributário acarreta na demanda agregada, visto que, pessoas com uma renda menor possuem maior propensão marginal a consumir, o consumo dessas pessoas abarcam maior parte de sua renda.


Ademais, a institucionalidade do regime de metas fiscais é reafirmada no 2º mandato do presidente FHC no qual seguindo o receituário neoliberal imposto pelo Consenso de Washington a economia brasileira passa a adotar o Tripé Macroeconômico, que consiste em: (1) metas de inflação; (2) metas fiscais e (3) câmbio flutuante


Além do Tripé, no ano 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal modifica a organização orçamento público ao incluir as metas primárias, reafirmando novamente o regime de metas fiscais.


Por fim, o regime de metas fiscais mostra-se contraproducente não só para o desenvolvimento socioeconômicos do Brasil ao sufocar os investimentos do governo em áreas que devem ser prioridades como educação, saúde, saneamento, infraestrutura, agricultura familiar e entre outros setores, como também para o próprio princípio de sustentabilidade da dívida pública previsto no NCM.


Isto é, ao estabelecer uma lei que obriga o governo a cumprir uma meta anual de superávit primário modificou a elaboração e a execução do orçamento público, no qual os contingenciamentos ganham destaque como medida de ajuste fiscal, gerando incertezas e obstáculo para execução de programas de desenvolvimento econômico de longo prazo. 


Referências:

Gonçalves, Ricardo Carvalho. "Regime de Metas Fiscais no Brasil Frente aos Ciclos Econômicos: uma crítica pós-keynesiana." Encontro Nacional de Economia Política (2018): 1-25.

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