Bancos Centrais e o uso de criptomoedas no processo de lavagem de dinheiro
- Yasmin Meliga de Vasconcellos
- 28 de out. de 2024
- 3 min de leitura
As criptomoedas rapidamente se consolidaram como uma das maiores inovações tecnológicas recentes, oferecendo uma alternativa digital às moedas fiduciárias tradicionais e desafiando o controle tradicional exercido por bancos centrais e instituições financeiras sobre as transações monetárias. Desde a criação do Bitcoin em 2009, esse novo formato de moeda digital vem ganhando popularidade por sua capacidade de realizar transações rápidas e anônimas.

No entanto, esse anonimato também despertou o interesse de redes criminosas, que viram nas criptomoedas uma oportunidade de realizar atividades ilícitas sem a verificação das autoridades financeiras. Nesse cenário, o artigo "The Use of Cryptocurrencies in the Money Laundering Process", examina o processo de lavagem de dinheiro e os mecanismos pelos quais as criptomoedas são inseridas nesse ciclo, buscando entender como essa tecnologia facilita o processo criminoso e quais medidas de combate estão sendo ou poderão ser tomadas por parte dos órgãos fiscalizadores, em especial os bancos centrais.
A pesquisa introduz a lavagem de dinheiro como um processo no qual recursos obtidos por meios ilegais, como corrupção, tráfico de drogas, fraudes e terrorismo, são inseridos no sistema financeiro legítimo para disfarçar sua verdadeira origem. Historicamente, essa prática envolvia o uso de pequenas empresas, grandes corporações ou até mesmo bancos tradicionais para mascarar a origem dos recursos. No entanto, com o avanço da tecnologia e a globalização, o processo se digitalizou, permitindo que criminosos utilizassem mecanismos modernos para movimentar grandes quantias com velocidade, eficiência e anonimato. O surgimento e a popularização das criptomoedas, em particular, têm sido um fator decisivo nessa evolução, pois oferecem uma plataforma descentralizada que escapa ao controle das instituições financeiras tradicionais, como os bancos centrais, e dos órgãos reguladores.
O crime de lavagem de dinheiro é tradicionalmente dividido em três fases interconectadas: colocação, ocultação e integração. A fase de colocação é o estágio inicial, no qual os fundos ilícitos são introduzidos no sistema financeiro, geralmente por meio de depósitos bancários, compra de instrumentos financeiros ou bens de valor. Uma técnica comum nessa fase é o "smurfing", que consiste em dividir grandes quantias de dinheiro em pequenos montantes para evitar a detecção por reguladores. Após a colocação, ocorre a fase de ocultação, cujo objetivo é distanciar o dinheiro de sua origem criminosa, utilizando uma série de transações financeiras complexas. Finalmente, a fase de integração busca reintroduzir os fundos "limpos" na economia formal, por meio de investimentos legítimos, compra de imóveis ou empresas de fachada, disfarçando a origem dos recursos. Ao final desse processo, o dinheiro já está suficientemente mascarado, permitindo seu uso sem levantar suspeitas e enfraquecendo economias inteiras ao permitir que fundos ilícitos circulem no sistema financeiro formal, muitas vezes sustentando outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas, armas e pessoas.
No contexto de crime e globalização, os autores destacam o surgimento e o funcionamento tecnológico das criptomoedas, que permitem transações peer-to-peer sem intermediários, facilitando o acesso ao sistema financeiro global e reduzindo custos e tempos de transferência. Elas utilizam a blockchain, um banco de dados avançado onde o código das criptomoedas é criptografado e verificado, tornando extremamente difícil identificar indivíduos ou empresas específicas.
No processo de lavagem de dinheiro, as criptomoedas desempenham um papel central. Na fase de colocação, o dinheiro ilícito é convertido em criptomoedas. Em seguida, na fase de ocultação, os fundos são fragmentados e transferidos entre diferentes carteiras digitais e criptomoedas. Por fim, na fase de integração, os fundos “lavados” são reintegrados na economia formal, seja convertendo-os novamente em moeda fiduciária por meio de exchanges, seja sendo usados diretamente em transações com comerciantes que aceitam criptomoedas. Assim, as criptomoedas emergem como um canal eficaz, embora controverso, no esquema de lavagem de dinheiro, aproveitando a privacidade e a descentralização oferecidas pela tecnologia blockchain.
Historicamente, a lavagem de dinheiro sempre representou um desafio significativo para os governos, contornando os controles financeiros formais. A criptomoeda, com seu alto nível de anonimato, facilita ainda mais esse processo, fazendo com que seu surgimento gerasse um intenso debate sobre sua classificação e regulamentação. Enquanto alguns a vêem como um avanço revolucionário que pode substituir moedas tradicionais, outros temem que sua falta de supervisão ameace a estabilidade financeira. Países como Japão e Suíça adotaram regulamentações mais favoráveis à sua utilização, enquanto China e Índia impuseram restrições, preocupadas com a possibilidade de evasão fiscal e financiamento de atividades criminosas. Junto com as preocupações, o mercado de criptomoedas cresceu exponencialmente com a intensificação da adoção da moeda digital como meio de pagamento em setores comerciais e grandes corporações, porém, se a utilização ilegal das criptomoedas não for combatida, esse crescimento pode desestabilizar a economia global. Assim, os autores propõem que a solução para essa ameaça passa pela regulamentação rigorosa dos bancos centrais e pela aplicação da lei contra a lavagem de dinheiro, além da implementação de controles preventivos, como as políticas de conhecer seu cliente (KYC), para impedir que esse tipo de moeda seja utilizado para fins ilícitos.