Bancos centrais precisam de legitimidade popular? O debate sobre o Federal Reserve
- Gabriel Rodrigues de Castro e Souza
- 6 de mar.
- 5 min de leitura
Se já não bastavam os diversos desafios que os Bancos Centrais possuem, que vão desde o combate à Inflação até a promoção do crescimento econômico, agora dizem que ele possui mais um! Agora, o Banco Central procura possuir aceitação popular! Ora, por que isso não fora informado antes? Criemos plebiscitos! Tenhamos energia e perguntemos para aqueles que infelizmente não possuem a educação financeira e legal básica, sobre o que eles acham do papel do Banco Central! Isso auxiliará muito para o trabalho dessas instituições, não é?

Não se enganem. Os Bancos Centrais não se interessam por aceitação popular, ou melhor, por legitimidade de suas ações perante o público. Eles se interessam por respaldo do mercado. Quando falamos de mercado, não estamos nos referindo a Faria Lima ou a Wall Street, obviamente. Estamos nos referindo ao comércio, às trocas, às firmas e principalmente ao capital. Há um vício por parte dos economistas de alinharem a vontade do mercado com a vontade do povo, como se o mercado e a democracia andassem juntos e fossem inseparáveis! Não é que eles não possam coexistir, mas assumir que para existir democracia é necessário um sistema de mercado (e vice-versa) é um erro crasso, seus interesses não são iguais.
O artigo de Carola C.Binder e Christina P.Skinner parece negligenciar isso. Abordando a falta de legitimidade popular como uma grande problemática que preocupa o Federal Reserve, as autoras culpam uma mudança de postura do FED que tornou suas decisões mais políticas do que tecnocráticas, ou seja, o FED perdeu sua postura de neutralidade, e isso seria um problema, pois acentuaria a polarização política e também promoveria um elitismo econômico através do aumento da desigualdade de renda. Para retomar a confiança e a legitimidade o FED precisaria fortalecer as seguintes categorias de leis e normas internas:
I) Transparência e Comunicação de Alta Qualidade com a População
II) Elasticidade de Poder (Expansão de seu poder em crises e Retração em momentos estáveis)
III) Independência plena da pressão presidencial e política.
Há também outros fatores identificados como principais diminuidores de sua legitimidade, ou seja, fatores que diminuem a confiança no FED, sendo estes:
IV) A autoridade que as pessoas dão para o FED é passiva. (Apenas para momentos de crise)
V) Adoção de “Objetivos subjetivos” pode piorar a imagem tecnocrata. (questões ambientais, por exemplo)
VI) Falta de explicação do porquê ele, e não outro agente, abordar esses “Objetivos subjetivos”
Todas essas considerações foram retiradas de uma pesquisa que as autoras elaboraram de forma online nos anos de 2022 e 2023, sendo perguntado em ambos os anos, aos 1584 entrevistados, se além da política monetária gostariam de que o FED fosse o responsável principal por alguma outra área. O resultado? Eis aqui:
Áreas em Pauta | % do público que apoia o FED como responsável por essa pauta em 2022 | % do público que apoia o FED como responsável por essa pauta em 2023 |
Políticas Climáticas | 13% | 3% |
Desigualdade Econômica | 22% | 15% |
Política Fiscal | 25% | 20% |
Combate ao Desemprego | 18% | 11% |
Estabilidade da Inflação | 60% | 60% |
Nota: Os percentuais foram aproximados pelas pesquisadoras, não havendo tanta diferença significativa entre o real e o aproximado.
Primeiramente deve-se notar que esta pesquisa possui uma certa característica tragicômica. Foi perguntado ao público se seria desejável que o FED, ou seja, o Banco Central dos EUA, adotasse Políticas Fiscais em sua pauta, mas ele não o pode, porque este papel é do Governo. Mesmo assim, pelo menos 20% concordaram com isso, demonstrando que pelo menos 20% da base entrevistada não sabia minimamente a diferença entre a política fiscal e monetária! E mais tragicômico ainda é que 40% do público, ou desconhece que a criação do FED foi justamente para combater e estabilizar a inflação, ou não confiam mais na sua tarefa mais básica. Em suma, ou eles não sabem o que é o FED, ou não legitimam ele. Considerando que pelo menos 20% dos entrevistados não possuíam conhecimento básico para diferenciar política fiscal e monetária, me parece bem claro o que é mais provável.
Leitores, é bem óbvio que o público entrevistado não fazia a menor ideia do que é o FED e o que ele faz. Mas não interprete mal, não é culpa dos entrevistados seu desconhecimento, requer tempo, interesse, educação e transparência informacional nesse assunto, que propositalmente não é abordado da forma que deveria para a população. E agora peço que observem, é válida a opinião de uma pessoa que não sabe absolutamente nada do que é abordado? Não ironicamente, esse foi o questionamento das autoras. “O que a aceitação democrática de uma autoridade significa em uma sociedade em que o povo não sabe o que está aceitando?”
Não desejaram responder essa pergunta, porque a resposta era óbvia e não era conveniente. Não vale absolutamente nada. A aceitação popular de suas medidas não faz a menor diferença para um Banco Central, porque ele não é democrático e não há nada de errado com isso!
É algo que as próprias autoras reconhecem, é necessário para a estabilização monetária que o FED, ou qualquer Banco Central, tome medidas políticas que não sejam necessariamente democráticas (Sanar dívidas de alguns bancos durante a crise de 2008, por exemplo). Os Bancos Centrais se preocupam com a legitimação de suas ações pelo mercado, eles explicam porque estão adotando tal ação, adotando a pauta X, elevando ou reduzindo a taxa básica de juros, com o objetivo de informar ao mercado e controlar suas expectativas de inflação.
Mas vamos supor por um momento que somos ingênuos, e que os Bancos Centrais realmente se preocupam com a opinião de pessoas como a dos entrevistados que não fazem a menor ideia do que é política fiscal e monetária. Seria a adoção de “objetivos subjetivos” um mal a ser combatido, e devíamos promover um Banco Central tecnocrático? Isento de posições e focado principalmente na tarefa que lhe é cabida, que é o controle inflacionário, sem quaisquer “desvios”?
A neutralidade é uma posição, não se engane. Nenhum economista sério grita: “Aumente a SELIC em um ponto percentual para salvar as árvores!”, o que se pede é um mínimo interesse, é uma mínima preocupação com problemas que afetam a realidade de um povo, que é o desemprego, desigualdade de renda, crescimento econômico, os fenômenos climáticos que também possuem sua devida importância. Legitimidade é algo que não é difícil para o FED obter, em plena crise de 2008 a sociedade civil deu plena autoridade para o FED promover suas duvidosas políticas de resgates a bancos que tinham vínculo político com a instituição.
Os bancos centrais não estão preocupados com a legitimidade popular pois essa é desnecessária para a sua atuação. A única legitimidade almejada é diante dos mercados, de modo que a participação popular só é instrumentalizada pelos bancos centrais quando convenientes para os interesses do mercado.
Referências:
C.BINDER, Carola; P.SKINNER, Christina. The Legitimacy of the Federal Reserve. Stanford Journal Of Law, Business And Finance. Stanford, p. 1-40. dez. 2023.