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Dolarização na Argentina: promessa ou armadilha? O primeiro ano de Javier Milei


O mandato de Javier Milei está prestes a completar um ano. Milei foi eleito com uma agenda ultraneoliberal e uma proposta de dolarização oficial para a economia argentina.

A promessa de cortes drásticos de gastos públicos, com o chamado 'Plano Motosserra', resultou em uma forte desvalorização do câmbio, paralisação de obras públicas e redução das tarifas de serviços essenciais. Além disso, no primeiro trimestre de 2024 o PIB argentino regrediu em 5,1% e a inflação segue em patamares elevados (271% a.a.), com o agravante da piora nos indicadores do mercado de trabalho e nos níveis de pobreza.

Diante das dificuldades para construir reservas internacionais robustas, a viabilidade da dolarização é questionável. O presidente insiste que essa medida só será possível com o fechamento do Banco Central Argentino, mas tal proposta parece irrealista. Pode uma economia moderna funcionar sem um órgão que garanta a estabilidade financeira? Os planos de Milei enfrentam múltiplos obstáculos, e entender a conjuntura econômica e histórica do país é crucial para compreender por que a dolarização ainda não se concretizou.

A economia argentina é marcada por décadas de alta inflação, que governos sucessivos tentaram controlar com planos econômicos, mas que falharam devido às restrições externas e instabilidades internas. Esses planos não resolveram os problemas estruturais subjacentes que sustentam a inflação crônica.

O fenômeno inflacionário é complexo e multifacetado, sendo geralmente abordado sob duas óticas tradicionais: a "estruturalista" e a "monetarista". Na visão estruturalista, a inflação é atribuída a problemas econômicos estruturais, como um sistema fiscal ineficaz e a concentração econômica. A solução, nesse caso, envolveria o estímulo à oferta, sem necessariamente restringir a demanda. Já a visão monetarista enxerga a inflação como um problema decorrente da política monetária, especialmente da emissão excessiva de moeda pelo Banco Central. Para os monetaristas, a principal solução seria reduzir a emissão e eliminar o déficit fiscal.

No entanto, a abordagem monetarista tem mostrado limitações em cenários históricos de crise. Na Argentina, tentativas passadas de atrelar a moeda nacional ao dólar, com base na visão monetarista, resultaram em alívios temporários na inflação, mas acabaram gerando profundas crises econômicas, redução da atividade econômica, endividamento e desindustrialização, aprofundando a pobreza e agravando os processos inflacionários.

Durante o mandato de Milei, a tentativa de resolver a inflação por meio de uma abordagem monetarista se reflete na proposta de dolarização. Mas, é mesmo possível dolarizar a economia argentina? O país enfrenta uma escassez de dólares, o que suscita dúvidas sobre a viabilidade dessa proposta. Além disso, é preciso questionar qual seria a quantidade necessária de dólares para substituir o peso e como o governo conseguiria obter essa quantia. Neste contexto, o Banco Central Argentino ainda desempenha um papel fundamental na regulação da liquidez do sistema bancário.

A equipe econômica do presidente Javier Milei pretende adotar diversas medidas para dolarizar a economia da Argentina, como:


1. Liquidar a própria moeda nacional através de uma forte desvalorização e um golpe inflacionário.

2. Transformar as reservas nacionais de pesos argentinos em dólares americanos.

3. Obter crédito externo para saldar a dívida do BCRA com os bancos por meio de acordos com os Estados Unidos ao transferir os bônus do tesouro nacional e dos investimentos do Estado.


As medidas propostas por Milei contêm múltiplas contradições, como o aumento acelerado da inflação devido a forte desvalorização da moeda nacional, um aumento da dívida externa e um cenário difícil para o Banco Central conseguir dólares e retomar sua função na economia local. Por enquanto, a dolarização permanece uma promessa de campanha fantasiosa, assim como outras ideias não concretizadas, como o rompimento das relações diplomáticas com a China e a eliminação dos controles cambiais

Portanto, a dolarização da Argentina, no atual contexto e com as políticas propostas, é inviável. A entrega do controle econômico a credores internacionais significaria aumentar a dependência do país em relação à elite financeira global.

Mesmo após uma eventual dolarização, novos desafios surgiriam, como alta volatilidade cambial, choques inflacionários, aumento da dívida externa e possível liquidação de empresas públicas. Trocar o peso pelo dólar implicaria a eliminação do papel do Banco Central na emissão monetária e na condução das políticas monetária e cambial, deixando-o apenas com funções de supervisão, sem poder de ação. Na esfera política, a Argentina ficaria subordinada às políticas econômicas e à inflação dos EUA.


Para aprender mais sobre este tema, recomendamos a leitura de:

CALCAGNO, Alfredo. Contra la dolarización. Realidad Económica, v. 54, n. 362, p. 133 a 161-133 a 161, 2024.

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