top of page

"Galípolo e Campos Neto estão submetidos a uma mesma lógica" - Entrevista com David Deccache sobre a indicação de Galípolo para o BCB


Doutor em Economia pela UnB e assessor econômico na liderança do PSOL na Câmara dos Deputados, o economista David Deccache falou ao Observatório de Bancos Centrais sobre a indicação e aprovação do economista Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central.




Como você definiria o perfil do economista Gabriel Galípolo? Por que parece que o candidato a Presidente do Banco Central agrada tanto ao “mercado” como ao governo?


Bom, o Gabriel Galípolo é um economista muito mais convencional do que aparenta ser, só observarmos as votações no Copom para definição da taxa de juros do Gabriel Galípolo nas últimas reuniões, bem como as posições dele sobre a política fiscal quando foi secretário executivo do Ministério da Fazenda.

O fato é que, muito menos do que indivíduos, do que sujeitos, do que subjetividades, há um modelo, um padrão estrutural de se pensar e de se fazer economia estabelecido que a maioria das economistas se inserem dentro disso.

Então, no fim das contas, há muito menos diferença entre um Campos Neto e um Galípolo do que parece, porque ambos estão submetidos a uma mesma lógica, se submetem a uma mesma forma de se pensar e de se fazer política econômica.

Não há divergências no que eles pensam sobre a economia factual, prática, a condução concreta da política econômica, monetária, fiscal. É só observar que as falas vão na mesma direção, embora a forma de se anunciar o compromisso com o modelo padrão, apesar dessa distinção de forma, há uma concordância de pressupostos e uma fidelidade a esses pressupostos.

“O ponto é que o Galípolo tem uma forma de se comunicar muito clara, muito eficiente. Então, ele consegue dialogar com diferentes espectros políticos, com fluidez.”

Se trata de uma política matematicamente incoerente, mas que tem um potencial de reduzir o tamanho do Estado, custe o que custar. De forma não planejada, é vista como uma grande maravilha.


E falando nisso, sobre essa questão do modelo padrão, a gente viu o alto índice de aprovação na sabatina do Senado, o Galípolo também teve uma aprovação com unanimidade na Comissão dos Assuntos Econômicos. Qual é a sua visão sobre essa votação e sobre esse resultado da votação e o que isso tem a ver com esse compromisso do modelo?


Eu considero que essas sabatinas no Senado são inúteis. A relevância delas, para a gente compreender qual vai ser a postura de um determinado economista, é muito baixa. A serventia dela é muito baixa. As perguntas dos senadores são sempre muito desqualificadas. Enfim, é um conhecimento muito rasteiro de economia que nós observamos na Câmara e no Senado e que é um padrão dos parlamentares, salvo as raras e boas exceções que nós temos e conseguem fazer bons debates.

O ponto é que o Galípolo tem uma forma de se comunicar muito clara, muito eficiente. Então, ele consegue dialogar com diferentes espectros políticos, com fluidez. Eu acompanhei uma reunião em uma comissão que ele estava, na época em que ele era secretário. Ele era o número 2 do Haddad no início de 2023 e naquela época o governo estava estruturando o novo arcabouço fiscal. Ele estava em processo legislativo de debate para a votação. O Galípolo estava com o Haddad e quem tratou ele super bem, por exemplo, foi o Eduardo Bolsonaro. Falou, inclusive, que era amigo dele. Então, essas diferenças que nós às vezes vemos na forma, elas não se expressam no conteúdo.

Não acho, de forma alguma, que haja uma diferença substancial entre economistas, mesmo que eles venham de formações e tradições muito distintas, quando eles se submetem a uma mesma lógica, a um mesmo modelo. Então, acho que o Galípolo tem uma certa facilidade extrema de convencer a esquerda que ele está fazendo algo muito diferente, votando de forma idêntica a todo mundo, fazendo a política fiscal que ele fez, uma política fiscal que considero desastrosa do ponto de vista da macroeconomia pensada pelo crescimento, pela inclusão social, pela responsabilidade ambiental, considero desastrosa a participação dele.

Ele criou uma regra fiscal que, inclusive, do ponto de vista matemático, é uma aberração. Ela tem uma incoerência matemática, ela é frágil, ela não se sustenta, porque ela criou uma incompatibilidade. Isso foi o Galípolo que fez. Não sei como acham isso o auge da competência.

Ele criou uma regra, quando ele estava na Fazenda com o ministro Haddad, em que os pisos constitucionais da saúde e da educação crescem a uma taxa muito mais alta do que o limite permitido pelo novo teto de gastos, do que o limite geral permitido. Então, se você tem uma parte, uma taxa de crescimento maior do que o todo isso quer dizer que essa parte, uma hora, vai ocupar o todo.

Ou seja, as despesas protegidas pela Constituição, por exemplo, saúde e educação, junto com o teto e as despesas obrigatórias, como saúde e educação, e outras despesas rígidas de institucionais, vão esmagando quem fica no meio. Então, você cria um conflito orçamentário sustentável. Em 2029, se o teto de gastos continuar e os pisos da saúde e da educação continuarem, nós não teremos mais dinheiro para pagar água e luz. As discricionárias livres no Brasil, zero. Acabou.

Não tem água, não tem luz, as universidades podem fechar e não tem mais investimento público. Matematicamente, zero. E essa foi a regra apresentada. Então, agora eles estão tendo que correr atrás de um pacote de cortes de gastos atrapalhados. E o que isso tem a ver com a política monetária? Eles falam que esse tipo de política fiscal é importante para reduzir a taxa de juros básica da economia.

Veja só que coisa. Uma política matematicamente incoerente, mas que tem um potencial de reduzir o tamanho do Estado, custe o que custar. De forma não planejada, é vista como uma grande maravilha. Atualmente, Galípolo ocupa o cargo de diretor de política monetária do BC e votou várias vezes em conjunto com a atual direção na definição da taxa de juros.


Você visualiza algum cenário de mudança na condução da taxa de juros quando Galípolo assumir a presidência?


Quando o Galípolo assumir a presidência em 2025, não. A taxa de juros vai mudar se as condições do modelo forem modificadas. Se tiver uma desaceleração econômica muito aguda. Olha só, o que ele pensa é o seguinte. Há um PIB potencial de mais ou menos de 2,5%, são as projeções hoje da fazenda, do tesouro que eles usam. Então é para manter o PIB por aí. Tem uma taxa natural de desemprego, que nunca se sabe qual é. Uma taxa de desemprego que não acelera a inflação. Então, quando a economia está andando nesse ritmo que eles consideram natural, está tudo ok. Se ela estiver crescendo acima disso, como está crescendo hoje, o Campos Neto falou disso recentemente, uma economia crescendo a 3%, se eles consideram que o PIB potencial é 2,5%, o que tem que fazer? Tem que aumentar a taxa de juros para puxar a economia para o potencial dela, que é 2,5%. Por quê? Porque a demanda gerada pelos gastos públicos não fará a economia crescer no longo prazo, isso será neutro.

Apenas gerar esse crescimento seria insustentável, e isso geraria desorganização e inflação no médio e longo prazo. Então, dados os pressupostos e dado o modelo, o que o Galípolo faria, ou o Campos Neto, ou qualquer outro que estivesse ali, é ter uma postura de manter uma política monetária mais conservadora, mais dura, mais rígida para reduzir o crescimento econômico e, quem sabe, porque nunca se apresenta isso de forma evidente, aumentar um pouco a taxa de desemprego para levar a economia para a taxa que não acelera o desemprego.


E você chegou a citar sobre a semelhança técnica que o Galípolo e o próprio Campos Neto têm justamente por eles terem que seguir esse modelo que o Banco Central e a própria economia exigem. E, ainda assim, você sente que nós poderemos ver uma diferença entre eles ou, por questão do modelo, vai ser, digamos, a mesma coisa?


O Galípolo respondeu essa pergunta algumas vezes, na imprensa e no Senado. E uma das respostas que eu achei mais reveladora é quando ele disse que um médico que tem medo de sangue é igual um presidente do Banco Central que tem medo de aumentar a taxa de juros. Então, ele não vai ser o médico que tem medo de sangue e não vai ser o presidente do Banco Central que vai ter medo de seguir o modelo. Então, ele tem que seguir o modelo, sabe? Um modelo ortodoxo, convencional, padrão.

Ele também insiste muito em um outro ponto, que também tem a ver com a perspectiva teórica, e o ministro Haddad também insiste, e o pessoal acha super moderno, super inovador. Eles afirmam que tem que ter uma sintonia, uma harmonia entre a política fiscal e a monetária, e que no Brasil não tem. O que eles estão querendo dizer com isso? Tem que fazer um forte ajuste fiscal? A política fiscal nos modelos ortodoxos é praticamente inútil para estimular o crescimento da economia, você tem que equilibrar o orçamento e deixar que o mercado faça o resto, é inútil, não serve para nada. Então, anular a política fiscal quando os agentes do mercado perceberem que tem uma previsão de estabilidade na relação dívida/PIB, isso vai melhorar as expectativas, a confiança, e dentro do modelo isso também conta para a redução da taxa Selic.

Então, o que o Haddad pretende desde 2023? Fazer um ajuste fiscal que nunca aconteceu, até agora não aconteceu e ainda bem, por isso que o Brasil está com uma taxa de desemprego ok, uma taxa de crescimento ok. Fazer um ajuste fiscal relevante, estrutural, e com isso acontecer aquela expectativa de sempre, uma contração fiscal ser expansionista, por levar à redução da taxa básica de juros e das taxas de juros da economia. Então, a concepção era essa, não é nada diferente do que os economistas convencionais, mais conservadores, dizem. Faz um ajuste fiscal forte, fez o ajuste fiscal forte, a taxa de juros cai no Banco Central, aí a economia vai crescer, os investimentos privados que vão crescer a partir disso, mais do que vão compensar os cortes e gastos, é só isso. E eles pensam assim, eles anunciam isso.

Ainda bem que isso não aconteceu, a taxa de gasto primário está crescendo três vezes mais do que eles pretendem com o novo arcabouço fiscal , então não está tendo essa harmonia, então ele (Galípolo) não vai baixar a taxa de juros.

Para finalizar, você já comentou que o Galípolo não vai fugir muito dessa tese dos economistas liberais de que é possível ter pleno emprego com inflação. Então, eu gostaria de saber qual é a sua opinião sobre esse trade-off entre inflação e desemprego no Brasil?


Na verdade, as perspectivas de taxa de inflação mudam muito para nós que somos heterodoxos e para os ortodoxos. Dentro do modelo geral, você está tendo uma pressão inflacionária por quê? Porque há um excesso de gastos ou uma política monetária fora do lugar. Tem alguma coisa ali ou a sua taxa de juros está errada, você tem que subir para levar o produto ao seu potencial, manter o produto observado no potencial e ajustar o fiscal. Então, o problema pelo lado da política monetária ou fiscal é ser muito expansionista, enfim. E os choques e custos no longo prazo, isso se dissipa. O que importa é você manter o produto no seu potencial e tudo vai se resolver, como você disse na pergunta.

E para a gente (os heterodoxos), há várias formas de ver a inflação. Eu, por exemplo, assumo a inflação como um conflito distributivo que se inicia quando você tem, por exemplo, um choque de custos na economia. Tem um choque de custos, aumentou o preço de combustível, aumentou o petróleo, aí o Brasil atrela o preço de combustível ao barril do petróleo hoje. Então, isso vai passar diretamente para o preço do combustível que vai passar para o arroz e feijão. Assim, a gente vai ter uma cadeia de repasse de custo para preço. E aí o trabalhador tem uma perda de poder de compra, o salário real dele cai, o que ele vai tentar fazer? Ele vai tentar recompor, vai tentar aumentar o salário. E se ele vai tentar aumentar o salário, e o salário é um custo, se ele consegue aumentar o salário, o empresário também aumenta de novo o custo dele. E aí o que ele tenta fazer? Ele tenta aumentar o preço de novo. Então, aumentou o preço, aí acontece tudo de novo, porque eu vou ter que recompor salário.

Então, a inflação é fruto de um conflito distributivo. E sempre engatilhada, quando você tem fases explosivas de inflação, por algum choque de custos. E no Brasil ela é cambial, principalmente. São choques cambiais que desencadeiam processos inflacionários na história do Brasil. Nada a ver com política fiscal. Então, você valoriza o câmbio, todos os preços da economia se deslocam. E aí sobe a taxa de juros para revalorizar.

É basicamente essa a diferença, porque para os ortodoxos é uma questão de manter a taxa de juros no seu patamar "certinho" e não olhar as múltiplas possibilidades de se fazer uma política de estabilidade de preço. Então, uma política de moderação da inflação passa por vários aspectos. E não só por aumentar, baixar a taxa de juros. Para isso, basta um robô para fazer isso e vai fazer de forma idêntica. Não precisa ter um ser humano ali. Ainda mais hoje em dia. Bota o robô do Friedman ali para funcionar.

Alternativamente, eu posso fazer a política, por exemplo, de estoques reguladores de alimentos. Eu posso ter políticas de preços administrados menos voláteis, energia, combustível. Então, dá para se pensar a política de estabilidade de preços pela lógica também do planejamento econômico. O que para eles é totalmente descartável. E isso daí depende do sujeito. Não é porque um sujeito vota no Bolsonaro ou no Lula. É porque eles seguem uma cartilha padronizada que conduz à posição deles quando gestores atuarem nesse sentido.

Inscreva-se na Newsletter

file_edited.png
image.png

Faculdade de Ciências Econômicas - Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, Rio de Janeiro – RJ – Cep 20550-900

bottom of page