Independência do Banco Central: legalidade constitucional e implicações sociais da taxa de juros
- Maria Júlia Teles Coelho
- 4 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de nov. de 2024
No artigo Constituição e Independência do Banco Central, Vinícius Casalino questiona as razões para a manutenção da Taxa Selic em níveis tão altos. Essa elevação refletiria uma submissão do órgão aos poderes políticos ou seria, ao contrário, um sinal da necessidade urgente da independência do órgão?

Para ambas as hipóteses, Casalino aponta argumentos técnicos e políticos: de um lado, o controle inflacionário e a redução do déficit público como justificativas para a elevação dos juros; de outro, a defesa de que a taxa se relacione com o PIB, garantindo estabilidade econômica. A partir disso, introduz o debate sobre a autonomia do Banco Central pela via da constituição brasileira. A partir dessa premissa, o autor recorre a conceitos jurídicos para manifestar sua oposição à independência do órgão.
O teórico e político alemão Ferdinand Lassalle diferencia a existência da Constituição escrita da Constituição real: a primeira corresponde a teorização jurídica sem prever a existência dos fatores de poder, enquanto a segunda é o modo orgânico como se apresenta nas relações sociais, de modo a criar um intermédio entre as cláusulas ideais e os conflitos de uma nação.
Casalino utiliza a tese do escritor alemão para traçar um paralelo com o tema do artigo: a autonomia do Banco Central na determinação da Taxa Selic, segundo ele, não estaria em sintonia com as diretrizes da Constituição de 1988. Nesse contexto, ele argumenta que a independência do órgão seria incoerente, dado que sua postura conservadora ao elevar os juros demonstra uma certa indiferença ao marco legal que exige a promoção do bem-estar social, a valorização do trabalho e o pleno emprego — todos objetivos profundamente afetados pela taxa de juros.
O Art. 2º da CF/1988 estabelece: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Os Poderes Públicos são independentes e regidos pelo sistema de contra-pesos. No entanto, o Ministério da Fazenda, ao qual o Banco Central é subordinado, cumpre suas funções constitucionais de maneira limitada. Essa ineficiência se manifesta, por exemplo, no aumento dos custos de oportunidade para obtenção de crédito, o que desestimula o investimento e compromete as metas constitucionais de desenvolvimento econômico e social. Em vez disso, essa dinâmica favorece a financeirização da economia, desviando o sistema estatal das competências e objetivos previstos pela Constituição.
O desvio de finalidade do Banco Central ao longo do tempo levanta a necessidade de sua independência, uma vez que a Constituição permite apenas a compra e venda de títulos como meio de influenciar a oferta monetária e, indiretamente, a taxa de juros. Contudo, não há uma definição clara sobre a atribuição de estabelecer a Taxa Selic, que deveria fazer parte das funções da Administração Pública. Assim, existe um vácuo normativo tanto constitucional quanto legal a respeito dessa questão. O autor não descarta uma análise mais radical, reconhecendo que a Constituição não estabelece com clareza a natureza autárquica de nenhum órgão, mas critica a validade jurídica da circular que delegou ao Comitê de Política Monetária (COPOM) a prerrogativa de fixar a taxa básica de juros do país.
Nesse viés, a preocupação maior se define no descumprimento do Inciso VIII, art. 170 da Constituição Federal e qual postura de intervenção do Estado no domínio econômico mediante o reordenamento das atividades produtivas via controle monetário.
A problematização do comprometimento jurídico decorre da disputa entre a compatibilidade das taxas de juros e rentabilidade financeira com as porcentagens de lucro e o ciclo do capital social. Isso pode ser ilustrado, por exemplo, a partir da perspectiva do economista John Maynard Keynes: “Assim sendo, o que mais nos convém é reduzir a taxa de juros até o nível em que, em relação à curva de eficiência marginal do capital, se realize o pleno emprego.”.
Dessa forma, há uma desconfiança crescente de que os órgãos estatais de controle realmente compreendam a extensão de sua autoridade monetária e a exerçam de acordo com os princípios constitucionais. Sob o aspecto material, a taxa básica de juros deve obedecer aos princípios constitucionais que valorizam o trabalho humano e buscam o pleno emprego, como previsto no art. 170 da CF. Portanto, a Taxa Selic deve ser mantida em níveis baixos para incentivar o investimento produtivo e a criação de empregos. A autoridade monetária, assim, tem o dever de ajustar a taxa de juros para induzir continuamente o setor produtivo a investir, especialmente em períodos de desaceleração econômica ou crises inesperadas.
Referências:
Casalino, Vinícius. “Constituição e Independência do Banco Central”. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 2, 2018, p. 853-889, setembro, 2017.