O Banco Central e as disputas entre Estado e Mercado
- Luísa da Rocha Canazarro
- 26 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
O poder que os agentes financeiros exercem sobre a ação estatal no Brasil é um processo que merece intensa análise e discussão. A expansão das habilidades, instrumentos e poderes dos Bancos Centrais, bem como o crescente envolvimento com os mercados financeiros, integram um mesmo processo histórico.

Para compreender esse fenômeno, Pedro Mouallem (Cebrap) escreveu o artigo “Poder Financeiro e Ação Estatal: o Banco Central do Brasil e os imbricamentos público-privados de interesses, ideias e infraestruturas”. Nele, o autor explora três vertentes principais:
A complementaridade entre interesses e macroinstituições;
Conexões pessoais;
Vínculos infraestruturais no sistema financeiro.
Essas vertentes buscam abordar diferentes esferas de poder: estrutural, instrumental, ideacional e infraestrutural. Desde a década de 1970, as atividades financeiras passaram a ocupar um lugar central na busca por lucros, um movimento identificado como a financeirização do capitalismo. Nesse contexto, os Bancos Centrais adotaram políticas monetárias mais restritivas, especialmente com a difusão do regime de metas de inflação.
Segundo o artigo, a busca por um modelo de gestão de burocracia autônoma reflete uma pretensão de privilegiar a racionalidade técnica, frequentemente em detrimento de uma ação política que poderia reequilibrar o poder entre o Estado e o mercado financeiro.
No campo das políticas sociais, o predomínio das finanças na economia levou o Estado a enxergar no crédito uma forma de reduzir custos públicos de curto prazo. Isso, no entanto, ampliou a dívida privada e aprofundou a integração com o mercado financeiro. Essa dinâmica cria contradições, que podem limitar o acesso pleno aos direitos no país, levantando a seguinte questão: por que precisamos de crédito para garantir mais direitos?
A crise de 2008 foi um ponto de inflexão. Bancos Centrais expandiram suas políticas e reforçaram o papel de emprestadores de última instância, contribuindo, ainda que informalmente, para a acumulação financeira privada. Assim, essas instituições se tornaram cruciais para entender as relações entre Estado e mercados financeiros no capitalismo contemporâneo.
"O BCB, por exemplo, é ilustrativo da conjunção de uma burocracia estatal forte e capacitada com um mercado financeiro igualmente poderoso, concentrado em poucos bancos estáveis e lucrativos – o que nos convida a expor os termos desses vínculos e suas dinâmicas de poder". - Mouallem
No caso brasileiro, o artigo aponta que o Estado desempenhou um papel central no processo de financeirização, combinando a atração de investimentos estrangeiros, a manutenção de taxas de juros elevadas e a ampliação da dívida pública doméstica. Essa relação entre Estado e mercados financeiros possui um caráter dual: por um lado, o Estado busca benefícios econômicos vindos do mercado, enquanto regula seus excessos; por outro, os mercados dependem do Estado para garantir contratos e enforcement, ao mesmo tempo que desejam maior liberdade operacional. Ambos são mutuamente dependentes — não há capitalismo sem a atuação do Estado.
Um aspecto relevante é o papel das conexões pessoais, que influenciam diretamente a escolha de banqueiros centrais. No caso do Banco Central do Brasil (BCB), os diretores de política econômica, em geral, possuem trajetórias no sistema financeiro e formação intelectual predominantemente ortodoxa.
Por fim, a crise de 2008 revelou a proximidade entre os setores público e privado, muitas vezes disfarçada sob o discurso da racionalidade técnica. Para compreender os vínculos público-privados, é necessário analisar suas bases técnicas, institucionais e políticas, que estruturam os mecanismos de influência do poder financeiro sobre a ação estatal.
Referências:
MOUALLEM, Pedro. PODER FINANCEIRO E AÇÃO ESTATAL: o Banco Central do Brasil e os imbricamentos público-privados de interesses, ideias e infraestruturas. Caderno CRH, v. 37, p. e024016, 2024.