O Federal Reserve e sua luta para garantir a estabilidade de um sistema instável
- Gabriel Rodrigues de Castro e Souza
- 8 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
Na Primavera norte-americana de 2023, mais precisamente no dia 9 de março de 2023, uma notícia deixou o mercado financeiro em alerta e promoveu um pânico generalizado. Em menos de 24 horas, o Silicon Valley Bank (SVB), 16° maior banco dos EUA, perdeu cerca de 25% dos seus depósitos, e, no dia seguinte, aconteceu algo ainda mais alarmante, 62% dos depósitos restantes foram liquidados, forçando o banco a entrar em insolvência. O mais aterrorizante para o mercado é que no dia 10, mesmo dia da falência do SVB, o Banco de Nova Iorque “Signature Bank” (SGTB) experimentou algo assustadoramente parecido, perdendo 20% dos seus depósitos; no dia 12 de março, o banco entrou em falência. E, para fechar com chave de ouro, em São Francisco, também no dia 10, o First Republic Bank (FRB) foi uma outra vítima dessa corrida bancária, fechando as portas pouco tempo depois.

Ian Fleming, renomado escritor britânico já dizia: “Uma vez é acidente, duas é coincidência, e três é problema”, essa foi a lógica do mercado financeiro nos dias 9 e 10 de março. Era preciso identificar elementos em comum entre esses três bancos, pois, em dois dias, cerca de 532 bilhões de dólares em ativos foram subitamente perdidos (213 bilhões do FRB, 209 bilhões do SVB e 110 bilhões do SGTB), se enquadrando como a segunda, terceira e quarta maiores falências bancárias da história dos EUA, e, se somadas, geraram uma perda de ativos maior que a da crise de 2008. Embora a maior falência ainda seja do Washington Mutual, em 2008, tendo perdido 10% dos depósitos ao longo de 16 dias, o que mais temia o mercado em 2023, era a velocidade da perda dos depósitos, sendo mais rápida e mais intensa do que houve com bancos em 2008, em síntese, o mercado temia uma corrida bancária tão grande que geraria uma crise tão violenta como a da crise do subprime.
O mercado em meio a esse cenário demonstrou capacidade de observar, identificar e disseminar informações que demonstraram certas correlações entre as falências desses três bancos através do sistema de preços. Entretanto, seria interessante para nós, membros da sociedade civil, que a eficiência informacional se convertesse em competência acional, o que obviamente não é o caso - veremos posteriormente o porquê. Todavia, é mérito dos depositantes observarem as seguintes correlações entre as três falências:
1) A maioria dos ativos dos bancos que faliram sofreram imensa desvalorização através do aumento da taxa de juros e da inflação no pós-pandemia. Ou seja, seus ativos sofreram uma queda de preço brusca pois rendem comparativamente menos do que outros.
2) As falências não estavam atreladas aos modos de negócio dos bancos, mas sim ao risco atrelado aos ativos de sua carteira.
3) Todos os bancos que entraram em falência possuíram uma carteira de ativos com valor mínimo de 50 bilhões de dólares e valor máximo de 200 bilhões de dólares. Ou seja, todos eram de médio porte.
A princípio, é comum à primeira vista olhar positivamente para a identificação dessas informações por parte do setor financeiro. Porém, o problema não está na informação, mas sim na ação dos agentes econômicos após a obtenção dessas informações. Foi observado uma corrida bancária em mais outros 22 bancos de médio porte, dessa forma, a fim de protegerem sua liquidez, resgataram a maioria dos depósitos em bancos com ativos entre 50 e 200 bilhões de dólares e, inconscientemente, escalaram o risco da crise.
O sistema financeiro, embora use as informações de modo mais eficiente, não é tão eficiente assim na tomada de decisões, pois os investidores e empresários costumam se deixam levar por seus “espíritos animalescos” dos negócios, forçando os Bancos Centrais a controlarem o comportamento do sistema financeiro e garantirem a estabilidade de um sistema que é naturalmente instável porque se guia conforme as expectativas.
E no final, para quem sobra o papel de arcar com os custos de expectativas infladas? Os Bancos Centrais. De forma análoga a 2008, o Federal Reserve promoveu em 2023, empréstimos a bancos de médio porte, a taxas de juros especiais, para impedir a insolvência e a implosão do sistema financeiro. Em que isso se traduz? O Banco Central indiretamente, está no curto prazo, pagando a conta da má alocação de recursos dos bancos e garantindo aos credores desesperados por liquidez, o atendimento de sua demanda por moeda.
O Federal Reserve agiu como um mediador, uma espécie de remédio para acalmar os ânimos tanto do mercado quanto do setor bancário e garantiu a estabilidade de um sistema que naturalmente não consegue por conta própria se estabilizar. O grande problema da ação do Federal Reserve, é estimular os bancos a assumirem mais riscos, pois em uma eventual quebra, eles poderiam contar com a ajuda do FED. Ou seja, o FED se vê entre “a cruz e a espada”, em um tradeoff entre eficiência e estabilidade financeira, pois ao contrário dos mercados, o FED carece de eficiência informacional, mas é dotado de eficiência acional.
De forma quase irônica, a fraqueza do FED é a força dos mercados e vice-versa. Logo, uma política monetária que vá em consonância com os interesses e estabilidade dos mercados significa também uma eficiência informacional que permite com que o FED facilite sua escolha. É por isso, que o FED é um credor de última instância, um agente econômico que deve ser seguro em meio de toda e qualquer hecatombe financeira. Aliado ao poder informacional dos mercados, o Federal Reserve consegue promover sua luta para garantir a estabilidade de um sistema que não consegue naturalmente ficar estável
Referência: Sablik, Tim., 2024. “Central Bank Lending Lessons from the 2023 Bank Crisis,” Federal Reserve Bank of Richmond, Econ Focus pg. 4-7.